24 de agosto de 2009

A CONSOLAÇÃO DA FILOSOFIA DE BOÉCIO

Virtude, Felicidade, Bem, Liberdade, Deus

1 INTRODUÇÃO


Boécio em seu livro “A consolação da Filosofia” vem expor temas que sempre intrigaram e despertaram o interesse do homem, como a felicidade, Deus, o bem, a liberdade... Seu livro, apesar de ter sido escrito em meio a tortura devido ao fato de ter sido preso injustamente por supostamente ter praticado crimes políticos, como roubar dinheiro publico, esconder documentos do Senado entre outros, é uma preciosidade que deve ser lido e que será posteriormente muito utilizado pelos medievais para solucionar diversas questões a fim de se contemplar a verdade. A partir disso, venho apresentar os temas principais que são abordados com maestria pelo autor.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 VIRTUDE

Quando a Filosofia chega para conversar com Boécio, sua primeira ação será retirar as “poesias” de perto dele. Estas poesias não fazem nada mais que incentivar as paixões que fazem com que o homem se apegue ao mundo exterior em vez de se deixar guiar pela própria razão. “São elas que por lamentos estéreis das paixões matam a acuidade da Razão”.(Consolação da Filosofia, I.2, p.5). Portanto, as paixões dificultam a prática das virtudes, já que estas estão ligadas à razão e residem no interior do homem. “Abandonando sua própria razão, dirigiu-se às trevas exteriores” (Consolação da Filosofia, I.3, p.5).

2.2 FELICIDADE

Boécio reclama que todos os seus pertencentes foram tirados dele pela Fortuna e por isso, ele chora sua perda sentindo-se infeliz com o rumo que sua vida tomou. A Fortuna responde a ele que todos os bens terrestres pertencem a ela e que por isso ela apenas tomou aquilo que já era seu. Além do mais ela diz: “Acaso existe algum homem que possua uma felicidade tão perfeita que não se queixe de algo? A felicidade terrestre traz sempre consigo preocupações e, além de nunca ser completa, sempre tem um termo.” (Consolação da Filosofia, II.7, p.34). Em outras palavras, as coisas materiais são incapazes de trazer uma felicidade plena ao homem, de modo que ele não deseje mais nada, e satisfaça todos os seus desejos. Não! O homem, por mais que possua bens terrestres, sempre deseja mais. A felicidade não pode estar fora do homem, mas dentro: “Por que então, ó mortais , buscais fora de vós o que se encontra dentro de vós?” (Consolação da Filosofia, II.7, p.35). A felicidade por ser alcançada, até mesmo em meio à dores e suplícios, pois as dores e mesmo a morte não são capazes de arrancar a verdadeira felicidade. “Para a verdadeira felicidade, a felicidade que teu coração vê em sonhos mas que não podes contemplar tal como ela é porque tua vista se desvia para as aparências.” (Consolação da Filosofia, III.1, p.54). A Filosofia passa a demonstrar que se a verdadeira felicidade coincide com o bem supremo para o qual nada pode ser desejado fora dele, já que nele está a felicidade perfeita, então, os bens terrestres são falsos bens e colocar neles a felicidade verdadeira é ignorância. “Com efeito, todos os homens têm em si o desejo inato do bem verdadeiro, mas os erros de sua ignorância desviam-nos para falsos bens.” (Consolação da Filosofia, III.2, p.55).

Estes falsos bens são:

1. A Riqueza

2. A Honra

3. O Poder

4. A Fama

5. Os Prazeres Sensuais

2.2.1 A Riqueza

A riqueza não pode ser desejada como verdadeira felicidade, pois quem a tem, possui o medo de que ela seja roubada, logo é necessário ajuda externa para protegê-la. Sua posse portanto torna o homem dependente. Quanto mais riquezas um homem tem, mais preocupações ele terá.

2.2.2 As Honras

A honra não pode ser desejada como verdadeira felicidade, pois as honras não fornecem virtude a quem as tem, além de expor os defeitos a amostra. Além disso a honra não possui valor por si mesma, pois ela não distingue quando um sujeito honrado se encontra no meio de povos estrangeiros que não o consideram honrado. Portanto, “aquilo que não tem em si nenhum mérito é avaliado pelas opiniões da multidão, que o exaltam ou o rebaixam.” (Consolação da Filosofia, III.7, p.63) .

2.2.3 O Poder

O poder não pode ser desejado como verdadeira felicidade, pois todo poder é limitado por mais que se o tenha, e a partir do momento que este poder acaba, inicia-se a tristeza do soberano. Assim como a riqueza, ele também gera medo, pois as pessoas que o tem, estão sempre preocupadas com medo de perdê-lo, por isso é necessário que tenha uma ajuda externa a fim de proteger este poder.

2.2.4 A Fama

A glória não pode ser desejada como verdadeira felicidade, pois muitos podem conquistá-la pelas opiniões errôneas da multidão. Ela não acrescenta nada ao sábio que não pode se deixar levar pelos rumores das opiniões do povo. Além disso, é algo passageiro e tem origem não na pessoa que a tem, mas nos outros que a fazem famosa.

2.2.5 Prazeres Sensuais

Os prazeres sensuais não podem ser desejados como verdadeira felicidade, caso assim fosse, teria-se que aceitar que os animais também poderiam adquirir a felicidade já que eles também fazem esforços para se satisfazerem fisicamente. Ainda mais, o exagero do prazer físico pode ser acompanhado por remorsos e por doenças físicas.

Resumindo a verdadeira felicidade não pode ser encontrada nestes bens que são perecíveis, ela deve ser encontrada em outro local. Este bem procurado deve possuir uma natureza una e simples dos quais todos os bens citados acima são apenas cópias.

2.3 DEUS

Deus é o Bem supremo e fonte de todos os outros bens. Para provar a existência de Deus, Boécio utiliza de um argumento que posteriormente servirá de base para o argumento ontológico de Santo Anselmo.

Primeiramente, Boecio estabelece que todo bem imperfeito é uma degradação de um Bem perfeito, e que portanto, se há uma felicidade imperfeita é porque então há uma felicidade durável e perfeita, já que aquela é degradação da verdadeira felicidade. A existência de um imperfeito qualquer pressupõe a existência de um perfeito na mesma ordem, assim como pessoas que nasceram disformes pressupõe a existência de pessoas perfeitas segundo sua natureza.

Resta então provar que o Bem Supremo é o próprio Deus. Boécio parte de uma idéia inata, pois todas as pessoas concordam em afirmar que Deus é o principio de todas as coisas e que Ele é bom. Daí ele faz a seguinte inferência: “e como não se pode conceber nada melhor que Deus, quem poderia duvidar de que aquilo é melhor que todo o resto seja bom? Portanto, nossos raciocínios mostram que Deus é bom a tal ponto que está fora de dúvida que o bem perfeito também está presente nele.” (Consolação da Filosofia, III.19, p.77) . Ou seja, se Deus é o ser mais perfeito, também nele deve estar o sumo bem pois, se não, teria de haver outro ser anterior a Deus que possuísse maior perfeição e isto levaria ao infinito, já que se dois soberanos bens existissem, um teria que se diferir do outro por algo. Portanto o Sumamente Bom se identifica com o Sumamente perfeito e este é Deus.

Dado que a verdadeira felicidade é o sumo bem e o sumo bem é Deus, logo é em Deus que está a verdadeira felicidade; “é preciso admitir que Deus é a suprema felicidade.”(Consolação da Filosofia, III.19, p.78) .

2.4 BEM

Todos os bens estariam subordinados ao Bem Supremo. Todo bem é desejável, e por isso a glória, a fama, a riqueza etc, são desejáveis sob a mesma razão de bem, pois participam do Bem supremo. Já que todas as coisas procuram o bem, o bem é o fim de todas as coisas: “Aquilo que sem sombra de duvida todas as coisas procuram, e, como havíamos concluído que é o bem, temos de reconhecer que o fim de todas as coisas é o bem.” (Consolação da Filosofia, III.21, p.86). Portanto, o Bem e o fim se identificam.

Boécio coloca que são duas as condições para a ação humana: a capacidade e a vontade. A vontade é aquela que deseja o bem e a capacidade aquilo que nos permite alcançar o bem desejável. Tanto os maus como os bons procuram o bem, mas o que diferencia um do outro é que os bons são bons por obterem o bem desejado, já os maus por não conseguirem obter, pois são desviados por suas paixões. Boécio parece não levar em conta a solução dada por Santo Agostinho sobre a questão do mal e também não se aprofunda no problema. Ele chega a inclusive a estabelecer que os maus não são humanos apesar de terem a aparência de humano, eles se reduziriam a um estado animal, dado o numero de vícios em que caíram: “Dessa forma sucede que, se ele deixa de ser homem por ter dissimulado o verdadeiro caráter do bem incapaz de ascender à condição divina, transforma-se em besta.” (Consolação da Filosofia, IV.5, p.106) .

2.5 LIBERDADE

O homem por ter a razão e vontade, possui a capacidade de julgar e por isso é livre para tomar suas decisões. Para Boécio o homem é mais livre quanto mais se conforma a vontade divina e será menos livre quanto mais se vê distante dela. Uma alma que se deixa dominar pelas paixões, seria escrava e portanto não-livre. A providencia divina e a liberdade humana estão intimamente ligadas. O problema que é levantado por Boecio, a partir da questão do livre-arbitrio é o seguinte: se Deus prevê tudo, como o homem pode ser livre para tomar suas decisões já que aquele conhece sua intenção, sua vontade e suas ações? Se toda a ação é prevista por Deus, então o homem agiria necessariamente conforme esta previsão, logo, no homem não haveria livre-arbítrio. Boecio não vê diferença entre uma ação prevista que faz com que ela ocorra necessariamente e uma ação que por ocorrer é que ela foi prevista, pois segundo ele tanto uma quanto a outra levam a agir daquela determinada forma necessariamente, já que conceber que Deus pudesse falhar em sua previsão seria um absurdo. Não havendo livre-arbítrio qualquer recompensa aos bons ou punição aos maus seria um ato de injustiça.

Para solucionar a questão, a Filosofia estabelece que a presciência de Deus não é causa necessária dos acontecimentos. Se não houvesse nenhuma presciência, a realização dos acontecimentos futuros continuaria a ser da mesma forma, pois ações irão ocorrer havendo ou não presciência. Esta, portanto, é apenas sinal dos acontecimentos e não causa ou criação destes acontecimentos. O segundo argumento vem do fato de que o conhecimento em Deus, diferente dos seres humanos, se dá de forma atemporal já que Ele é eterno; logo, em Deus, não há um conhecimento de passado, presente e futuro e, sim, Ele vê tudo num eterno presente, num eterno “agora”, Ele não prevê e por isso chamamos de Providencia e não de Previdência.

Autor: desconhecido

Revisão : Marcelo Alves