REsp
1.312.736-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, por
unanimidade, julgado em 08/08/2018, DJe 16/08/2018 (Tema 955)
Tema:
Previdência Privada Fechada. Horas
extraordinárias habituais. Incorporação ao salário. Reconhecimento pela Justiça
trabalhista. Inclusão nos cálculos de proventos de complementação de
aposentadoria. Impossibilidade. Ausência de prévio custeio. Eventual
prejuízo do participante. Ação própria na Justiça do Trabalho. Modulação dos
efeitos da decisão. Possibilidade de recálculo do benefício em ações já
ajuizadas. (Tema 955).
Destaque
Teses definidas para os fins do art.
1.036 do CPC/2015: a) a concessão do benefício de previdência complementar tem
como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o
desequilíbrio atuarial dos planos.
Em tais condições, quando já concedido o
benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de
previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas
remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos
cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de
aposentadoria; b) os eventuais
prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir
ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser
reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa
ex-empregadora na Justiça do Trabalho; c) modulação dos efeitos da decisão
(art. 927, § 3º, do CPC/2015): nas demandas ajuizadas na Justiça comum até a
data do presente julgamento - se ainda for útil ao participante ou assistido,
conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de
verbas remuneratórias (horas extras), reconhecidas pela Justiça do Trabalho,
nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de
aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar (expressa ou implícita) e à
recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a
ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso; d) nas reclamações
trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva
matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria
complementar, os valores correspondentes a tal recomposição devem ser entregues
ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o
enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência complementar. (Grifamos).
Informações
de inteiro teor
A
questão controvertida consiste em definir se é possível incluir, nos cálculos
dos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de
previdência privada, as horas extraordinárias habituais incorporadas por
decisão da justiça trabalhista à remuneração do participante de plano de previdência
complementar.
Registre-se,
de início, que o contrato de previdência complementar tem suas bases firmadas
no convênio de adesão entabulado entre a entidade de previdência privada e o
patrocinador, no regulamento do plano de benefícios e no estatuto da entidade
que administra o plano. Dessa forma, a relação jurídica estabelecida entre as
partes envolvidas é de direito privado.
Há
de se ressaltar, no entanto, que, nada obstante o caráter privado dessa
modalidade contratual, os planos de benefícios instituídos pelas entidades
fechadas de previdência privada estão sujeitos a rígido regramento estatal. É o
que se infere do disposto no art. 3º da Lei Complementar n. 109/2001. Assim,
devem ser respeitadas a exigência legal de se adotar o regime de capitalização
e a necessidade de manter o equilíbrio atuarial do plano de benefícios.
Qualquer
alteração nas relações individuais entre entidade e participante que traga
mudança nas regras de custeio e de concessão de benefícios pode ter reflexo nas
reservas garantidoras do plano, impondo o equacionamento exigido pelo art. 21
da Lei Complementar n. 109/2001. A tese firmada no julgamento diz respeito às
hipóteses em que não houve pagamento das horas extras, enquanto vigente o
contrato de trabalho, tendo sido reconhecida a existência de jornada
extraordinária em ação autônoma, da qual a entidade de previdência privada não
participou, quando o participante já se encontrava em fruição do benefício
suplementar.
Logo,
o valor respectivo não se refletiu nas contribuições vertidas pelo
participante, tampouco pela patrocinadora, e não se afigura suficiente para a
recomposição que o recurso financeiro ingresse no fundo, com o aporte de valor
atualizado das contribuições, que deveriam ter sido feitas, por meio de simples
cálculo aritmético.
De
fato, a recomposição das reservas do plano demanda mais que um mero encontro de
contas, exigindo a elaboração de complexos cálculos atuariais baseados em
análises probabilísticas que devem retroagir ao momento em que cada aporte
deixou de acontecer e na forma em que deveria ter ocorrido, impondo um
recálculo individualizado em face de um plano mutualista.
Nesse
contexto, não havendo nenhum ato ilícito praticado pela entidade de previdência
complementar, diante da falta de prévio custeio e da onerosidade excessiva que
representa para a coletividade dos participantes a recomposição do fundo, as
parcelas ou os valores de natureza remuneratória devidos ao ex-empregado
reconhecidos posteriormente à concessão do benefício de complementação de
aposentadoria não podem repercutir no benefício concedido, sob pena de ofender
o comando normativo do art. 18, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei Complementar n. 109/2001
e de acarretar o desequilíbrio financeiro e atuarial do plano, pois não foram
consideradas ao se formar a prévia e necessária reserva matemática para o
pagamento do benefício.
Cumpre
ressaltar que a justa reparação pelo eventual prejuízo que o participante do
plano de previdência complementar tiver sofrido em decorrência de ato ilícito
de responsabilidade da patrocinadora, que implicou em benefício de
complementação de aposentadoria menor do que aquele que lhe seria devido, deve
ser buscada, se possível, na via processual adequada, em ação movida contra o
ex-empregador.
Nada
obstante, em relação às várias ações da mesma natureza já ajuizadas contra
entidades de previdência privada, é de se reconhecer a possível inviabilidade
da pretensão de reparação diretamente contra a patrocinadora, diante do tempo decorrido
entre a prolação da sentença na Justiça trabalhista e o julgamento do presente
recurso repetitivo.
Assim,
excepcionalmente, propõe-se admitir o recálculo do benefício, nos termos
pretendidos, nas ações da espécie propostas na Justiça comum até a data do
julgamento do presente recurso repetitivo, condicionando-se tal recálculo ao
prévio e integral restabelecimento das reservas matemáticas, por meio de aporte
a ser vertido pelo participante, devendo a apuração dos valores correspondentes
basear-se em estudo técnico atuarial, conforme disciplinado no regulamento do
plano. (Informativo n. 630.)