31 de julho de 2011

Exame da Ordem não pode ser culpado por cursos ruins




[Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo neste sábado (30/7)]
De tempos em tempos, retornam as queixas contra o Exame de Ordem, aplicado a todos os que pretendem exercer a advocacia.


É natural, porque, tendo cursado a faculdade de direito e sido aprovado, o candidato à advocacia vê à frente o que parece uma Itaipu altíssima, difícil de ultrapassar: o Exame de Ordem.


O Supremo Tribunal Federal está sendo chamado, por iniciativa do subprocurador-geral da República, Rodrigo Janot, para declarar a inconstitucionalidade da prova. Janot age em conformidade com sua convicção e merece respeito.


É apenas de lamentar que o Ministério Público Federal condene o efeito (o Exame de Ordem) e esqueça a causa (o ensino jurídico industrializado, quantificado e sem qualidade) que se generalizou no país.


O Exame de Ordem é a garantia para a grande massa dos clientes da advocacia, ou seja, do povo como um todo.


No parágrafo único do art. 1º da Carta Magna, está escrito que todo poder e seu exercício emanam do povo. Assim o assunto interessa à todos. As reprovações no concurso para o Ministério Público, a cada novo aumento de seus quadros, só confirma a necessidade da seleção.
A Constituição não tem proibição direta ou indireta nem obstáculo para o Exame de Ordem. Ao tratar de aspectos da aplicação do Direito, situa a atividade de advogados e da advocacia como atores e profissão únicos a ter esse tratamento.


A Carta menciona advogados e advocacia 31 vezes, certo que nem uma só das outras atividades universitárias tem o mesmo realce.


Os que não querem o Exame de Ordem poderão dizer que tudo isso não indica a constitucionalidade e que o tratamento foge à regra de outras profissões, assim justificando a exclusão da prova seletiva.


Ao tempo em que me formei, não havia Exame de Ordem (eram só três as faculdades em São Paulo) nem o curso de jornalismo era pré-requisito para trabalhar na mídia (só havia um curso). O esclarecimento é necessário, pois a questão a resolver não se confunde com o Exame de Ordem, mas com o ensino jurídico de baixa qualidade.


O tratamento diferenciado da advocacia existe em vários países, para selecionar bacharéis em direito. O maior exemplo vem dos Estados Unidos da América, onde a matéria constitucional não se tem por ofendida com os exames controlados pela ABA (a OAB de lá).


O art. 5º da Constituição, que preserva os direitos individuais, é claro em dois incisos: "XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".


Acontece que certas qualificações profissionais são imprescindíveis e explicam as diferenças. É o caso da advocacia. Lida com direitos individuais e coletivos de quem vive neste país, com sua liberdade, sua família, seus bens.


O Exame de Ordem teve seu tratamento legal na lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia, no inciso IV de seu art. 8º). A competência da OAB para selecionar profissionais dá substância à força da constitucionalidade, cujo reconhecimento parece imprescindível, para preservar a qualidade dos que falem em juízo, em benefício dos clientes.


Walter Ceneviva é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.


Fonte e texto integral: Folha de São Paulo