Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou
improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5468, na qual a
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
questionava os cortes no orçamento daquele ramo do Judiciário na Lei
Orçamentária Anual (Lei 13.255/2016). Prevaleceu o voto do relator,
ministro Luiz Fux, no sentido de que não cabe ao Judiciário interferir
na função do Poder Legislativo de debater e votar as leis orçamentárias.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016 promoveu um corte de 90% nas
despesas de investimento e de 24,9% nas de custeio no orçamento de 2016
da Justiça do Trabalho. A argumentação da Anamatra na ADI era a de que o
corte afeta a independência e a autonomia do Poder Judiciário,
garantidos no artigo 99 da Constituição Federal, e tem caráter
retaliatório, porque os demais ramos do Judiciário tiveram reduções
menores. Uma terceira alegação foi a de que a emenda que resultou na
alteração não era compatível com o Plano Plurianual de 2016-2019.
O ministro Luiz Fux rebateu o argumento de afronta à separação dos
Poderes afirmando que a autonomia orçamentária do Judiciário lhe garante
a prerrogativa de elaborar e apresentar suas propostas ao Poder
Executivo, mas a definição do orçamento é da competência do Poder
Legislativo. “A Constituição Federal confere inequivocamente ao
Legislativo a titularidade e a legitimidade institucional para debater a
proposta orçamentária consolidada pelo chefe do Executivo”, afirmou,
assinalando que as normas procedimentais do devido processo legislativo
foram atendidas.
Em relação à alegação de desvio de finalidade ou abuso de poder
parlamentar por meio de ato legislativo discriminatório, desproporcional
e desarrazoado, o relator observou que, embora “ostente confessadamente
uma motivação ideologicamente enviesada”, a fundamentação do relatório
final da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização
não vincula os parlamentares, que votam o orçamento em sessão conjunta
das duas Casas Legislativas. “Diante da própria legitimidade da atuação
que a Constituição confere ao Legislativo, não é possível presumir que
as razões para a redução tenham sido as do relatório”, afirmou.
Fux destacou ainda que a elaboração do orçamento depende intimamente
do contexto socioeconômico do país, e que o impacto não se concentrou
apenas na Justiça do Trabalho ou no Judiciário. “Ainda que tenham sido
mais expressivas nesse ramo, as alterações e reduções abarcaram outros
setores e Poderes, com repercussão em várias atividades, serviços e
políticas públicas”, afirmou.
Com relação à conformidade ou não das leis orçamentárias com os
planos plurianuais, o relator afirmou que o tema “refoge por completo à
análise constitucional do STF”. A função de definir receitas e despesas,
segundo o ministro, “é uma das mais relevantes e tradicionais do
Legislativo, e merece ser preservada pelo Judiciário, sob pena de
esvaziamento de típicas funções parlamentares”.
Apelo
Votando “lamentavelmente” pela improcedência da ação, o ministro Fux,
porém, ressaltou a importância da Justiça do Trabalho como serviço
público estratégico para a materialização do direito universal de acesso
à Justiça. Sua função social, a seu ver, deve merecer a sensibilidade
do Legislativo, e nesse sentido fez um apelo ao Congresso, observando a
possibilidade garantida no artigo 99, parágrafo 5º, da Constituição, de
abertura de créditos suplementares ou especiais durante a execução
orçamentária do exercício.
O voto do relator foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Luís
Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco
Aurélio.
Divergência
O ministro Celso de Mello divergiu do relator e votou pela
procedência da ADI. Seu voto fundamentou-se na afronta à autonomia do
Judiciário. Segundo ele, a manipulação do processo de elaboração e
execução da Lei Orçamentária Anual pode atuar como instrumento de
dominação, pelo Legislativo, dos outros Poderes da República, “muitas
vezes culminando com a imposição de um inadmissível estado de submissão
financeira e de subordinação orçamentária absolutamente incompatível com
a autonomia que a própria Constituição outorgou”.
No caso em discussão, Celso de Mello considerou que o Congresso
exerceu sua competência “de forma arbitrária, imoderada, irrazoável e
abusiva”. Segundo ele, restrições financeiro-orçamentárias, “quando
eivadas pelo vício de seu caráter discriminatório”, podem inibir a
proteção dos direitos fundamentais (como o acesso à Justiça) e sociais
da classe trabalhadora. “As alegações da Anamatra procedem”, afirmou.
“Cortes drásticos, discriminatórios e injustificáveis na proporção
revelada, podem sim inviabilizar o próprio funcionamento da instituição
judiciária.
Acolhendo a pretensão da Anamatra, o voto do decano do STF foi no
sentido de que a União Federal promova, em 2016, a execução da proposta
orçamentária encaminhada originariamente pela Justiça do Trabalho, “de
tal modo que os objetivos maiores desse ramo especializado possam ser
alcançados e, por via reflexa, os direitos sociais da classe
trabalhadora possam ser efetivamente preservados”.
A divergência foi seguida pelos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa
Weber. O presidente do STF afirmou que os cortes orçamentários
representam um atentado ao funcionamento da Justiça do Trabalho,
frustrando a possibilidade de concretização dos direitos sociais,
garantidos no artigo 7º da Constituição Federal, e o pleno livre
exercício das competências da Justiça do Trabalho. Para Lewandowski, o
Congresso Nacional não pode afrontar a autonomia do Judiciário,
“sobretudo a partir de uma motivação que, a meu ver, se mostra
absolutamente inidônea”.
O ministro lembrou que o relator do orçamento justificou os cortes
com a ideia de “estimular uma reflexão” sobre a necessidade de mudança
das regras atuais, que, a seu ver, “estimulam a judicialização dos
conflitos trabalhistas, na medida em que são extremamente
condescendentes com o trabalhador”. E questionou como o STF reagiria se
sofresse um corte em seu orçamento fundamentado num inconformismo com
suas decisões em matéria constitucional. “Isto seria claramente
inaceitável”, afirmou.
Texto: Notícias STF