2 de julho de 2009

Erro do MP faz STJ absolver acusado


Uma decisão tomada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça na semana passada revoltou entidades brasileiras e internacionais e provocou debates acalorados na imprensa. A revolta, no entanto, foi causada por falha da corte de comunicar e das entidades de enteder o que foi decidido. Ao julgar Recurso Especial do ex-atleta Zequinha Barbosa e de outro réu acusados de fazer sexo com adolescentes menores de idade, o tribunal disse que ambos não violaram o ECA. O que não significa, no entanto, que não cometeram crime.

Nesta semana, a assessoria de imprensa do STJ divulgou no site da corte nota para explicar o equívoco. O Ministério Público acusou os réus de violar o artigo 244-A do ECA, que diz: "Submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual". A pena prevista é de quatro a dez anos de prisão. No julgamento no STJ, que foi tranquilo e sequer houve divergência, os ministros entenderam que o artigo se refere ao cafetão, aquele que leva e explora menores na prostituição, e não àquele que contrata os serviços, muitas vezes, sem saber a idade das adolescentes. Como esse foi o único dispositivo apontado pelo MP para condenar os réus, eles foram absolvidos já que não aliciaram menores. Clique aqui para ler o voto do relator, ministro Arnaldo Esteves Lima.

Aí nasceu o equívoco. Entidades de advogados, juízes e promotores interpretaram de maneira errada a decisão do STJ. Para eles, o que o STJ decidiu é que não comete crime aquele que faz sexo com menores de idade. Na nota de esclarecimento publicada no site, o STJ explica que aquele que faz sexo com menor pode ser enquadro nos artigos 213 e 224 do Código Penal, que trata dos crimes sexuais, mas não no ECA. “O Superior Tribunal Justiça, em momento algum, afirmou que pagar para manter relação sexual com menores de idade não é crime. Importante frisar que a proibição de tal conduta é prevista em dispositivos da legislação penal brasileira. Portanto, o chamado cliente eventual pode, sim, ser punido, mas com base em outros dispositivos da legislação penal."

A nota revela que o erro partiu da acusação, ao insistir para que os réus fossem punidos de acordo com o ECA, mesmo não sendo cafetões. “O STJ não julgou, e nem poderia porque não foi provocado e porque a questão não foi prequestionada, o enquadramento dos réus no crime de estupro ficto previsto no Código Penal”, afirma o texto publicado pelo STJ, ao justificar que não poderia julgar o crime com enquadramento diverso daquele dado pela acusação.
Para o advogado criminalista Luiz Flávio Gomes, a decisão do STJ foi correta, mas ele reconhece que faltou sensibilidade aos ministros. “Juridicamente, o STJ acertou, mas faltou o tribunal ter dito que essa decisão não concorda com o abuso de crianças. Eles não tiveram o cuidado de sublinhar esse ponto e agora vem toda essa pressão”, disse.
Equívoco permanente
O Ministério Público já entrou com recurso contra a decisão no próprio STJ e também no Supremo Tribunal Federal. O MP, no entanto, insiste no ponto. Para a procuradora Ariadne de Fátima Cantú da Silva, responsável pelo caso, a decisão do STJ é um “disparate”. “O STJ ressaltou que a responsabilidade dos acusados seria grave caso eles que tivessem iniciado as atividades de prostituição, nos fazendo concluir para disparate dos militantes na defesa dos direitos da criança e adolescentes, que apenas o primeiro a utilizar-se dos ‘serviços’ sexuais pode ser punido, os demais não”, afirmou a procuradora que assina o recurso.
Desde o dia 17, quando a decisão do STJ foi noticiada, diversas entidades se manifestaram contra o entendimento do tribunal. Até o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) criticou a corte. A organização classificou o entendimento do tribunal como firmado sob um “contexto absurdo”. “O fato gera um precedente perigoso: o de que a exploração sexual é aceitável quando remunerada, como se nossas crianças estivessem à venda no mercado perverso de poder dos adultos”, diz o texto. Clique aqui para ler a nota.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, também criticou o entendimento do tribunal. Para Britto, a decisão “vai contra todo um movimento em construção na sociedade brasileira, que é de condenação e conscientização contra a exploração" de crianças e adolescentes. “Apoiar-se no conceito da experiência sexual das menores é voltar ao tempo em que o conceito de virgindade era mais importante que o ser humano, uma referência quase pré-histórica”, disse Britto.
A Associação dos Magistrados Brasileiros também se posicionou contra o STJ. Segundo o vice-presidente da AMB, juiz Francisco de Oliveira Neto, a decisão desconsidera as regras de proteção à criança e ao adolescente. “O fato das adolescentes já terem se iniciado na prostituição não deveria influenciar na condenação daqueles que as submetem à prática de serviços sexuais. Essa decisão não leva em conta as circunstâncias que levaram essas meninas à prostituição, nem ajuda a tirá-las dessa situação”, afirmou.
Cafetão
Na decisão, a 5ª Turma do STJ manteve a absolvição proferida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Segundo o relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, o cliente que pagou por sexo não pode ser classificado como “explorador”, como o ECA prevê. “Não há como se falar em exploração sexual diante da ausência da figura do explorador, bem como do conhecimento desse fato pelos ora recorridos”, escreveu o relator.

Além disso, o ministro disse que a prostituição, por si só, não se configura como crime. “Assim, toda vez que um homem for praticar uma relação sexual com uma menor e esta já for uma prostituta, torna-se imperioso reconhecer que este apenas aderiu a uma conduta que hoje não pode ser considerada como crime, até porque prostituição é uma profissão tão antiga que é considerada no meio social apenas um desregramento moral, mas jamais uma ilegalidade penal”, afirmou Arnaldo Esteves Lima. O ministro citou como precedente o Recurso Especial 884.333. O relator foi o ministro Gilson Dipp, atualmente corregedor do Conselho Nacional de Justiça.

O caso segundo os autos, o ex-atleta José Luiz Barbosa, o Zequinha Barbosa, e seu assessor Luiz Otávio Flores da Anunciação contrataram os serviços sexuais de três garotas de programa que estavam em um ponto de ônibus. O programa foi feito em um motel.
O tribunal de origem absolveu os réus do crime de exploração sexual de menores por considerar que as adolescentes já eram prostitutas reconhecidas, mas ressaltou que a responsabilidade penal dos apelantes seria grave caso fossem eles quem tivesse iniciado as atividades de prostituição das vítimas. O Ministério Público recorreu ao STJ, alegando que o fato de as vítimas menores de idade serem prostitutas não exclui a ilicitude do crime de exploração sexual.
Acompanhando o voto do relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, a 5ª Turma do STJ entendeu que o crime previsto no referido artigo — submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual — não abrange a figura do cliente ocasional diante da ausência de "exploração sexual" nos termos da definição legal.

O STJ manteve a condenação dos réus pelo crime do artigo 241-B do ECA, que diz "adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente". A dupla fotografou as menores em poses pornográficas.

Texto de Filipe Coutinho
Fonte: Consultor jurídico