Um erro no recolhimento das custas judiciais de um processo foi suficiente para tornar o escritório Siqueira Castro Advogados alvo de uma Ação Civil de Improbidade Administrativa. Como noticiou a ConJur na última segunda-feira (21/3), a banca contratou o pequeno Eliel de Mello & Vasconcelos para auxiliar nas demandas contra a Companhia de Estadual de Águas e Esgotos em todo o estado do Rio de Janeiro. Contratado pelo poder público para a tarefa, o Siqueira Castro repassou parte dos processos ao correspondente para o comparecimento a audiências e a juntada de peças. No entanto, a falta do chamado "preparo" levou o Tribunal Regional do Trabalho do Rio a desconfiar e encaminhar uma das ações ao Ministério Público estadual, que por sua vez abriu inquérito contra o escritório, alegando terceirização indevida.
Embora a bola de neve decorra do envolvimento do poder público na relação, o risco de erros, que podem acontecer em qualquer processo, também preocupa escritórios que contam com representantes em demandas de clientes privados. Com 180 mil causas por ano e mais de 800 correspondentes em todo o país, incluindo desde bancas até advogados autônomos, o escritório Fragata e Antunes Advogados, especializado em contencioso de massa cível e trabalhista, confia na sua rede, mas mantém um expensivo seguro-garantia contra deslizes. "Quem paga o seguro somos nós, e não o cliente. A responsabilidade por qualquer erro é nossa, independentemente de quem tenha cometido", diz o advogado Francisco Fragata Jr, que ressalva nunca ter precisado usar a garantia.
O mesmo faz a boutique Sanchez Madriñan Advogados Associados, dedicada a causas tributárias no Judiciário e nas instâncias administrativas dos fiscos federal, estadual e municipal em nível nacional. Com 77 correspondentes cadastrados para acompanhar 3,2 mil processos em cada um dos estados brasileiros, a banca apelou ao seguro para garantir o pagamento de qualquer possível prejuízo decorrente de falhas de seus 20 advogados ou dos subcontratados. "Mesmo assim, mandamos os processos prontos, já grampeados, para não dar chance para equívocos", explica a sócia Marissol Sanchez Madriñan. "O correspondente trabalha como uma espécie de despachante."
No Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados, a subcontratação de escritórios exige a satisfação de critérios previstos em uma cartilha. "Não usamos terceiros para questões técnicas, mas mesmo assim avaliamos a estrutura, a quantidade de advogados e a titulação dos membros, além de buscarmos referências", afirma o advogado Rodrigo de Mesquita Pereira, um dos seis sócios. Para ajudar os 60 advogados associados, a banca, com clientes nas áreas de telefonia, construção civil e bancária, conta com 300 correspondentes em todas as regiões do Brasil.
Graças aos cursos ministrados na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o professor de Direito do Trabalho Paulo Sérgio João (foto) conseguiu montar uma verdadeira rede de confiança para defender clientes longe de seu escritório. Alunos e ex-alunos, com quem o prefessor criou laços mais próximos, garantem o seu sono quando pede providências em comarcas distantes, principalmente no Sul do país. "É uma rede não de correspondentes, mas uma continuidade do meu escritório, tamanha a sintonia", conta. Pelo menos dez bancas fazem parte do grupo, e trabalham em conjunto com os quatro advogados e três sócios do Paulo Sérgio João Advogados em São Paulo, Rio de Janeiro, Natal e nos estados do Sul.
Segundo o professor, esse tipo de relação evita os problemas característicos dos substabelecimentos. "Às vezes, o correspondente não tem o mesmo envolvimento que os advogados do escritório, por não conhecer o cliente", afirma. Segundo Marissol Madriñan, a dificuldade está na contratação. "Antes de passarmos o serviço, nos cercamos de informações, mas é difícil fazer isso à distância. O profissional é conhecido durante o trabalho", diz. Apesar disso, ela garante contratar apenas com indicação, e acompanhar via e-mail e telefone a realização de cada tarefa.
Devido às complicações, o Fragata e Antunes prefere abrir sede própria em cada local, quando o volume de processos justifica. São 11 unidades em nove estados, e há planos para chegar a mais dois. "Nossos advogados trabalham com cultura de escritório maior, têm mais conhecimento dos casos e estão preparados para fazer sustentações orais", afirma Francisco Fragata Jr.
Como não é possível fazer o mesmo em todas as comarcas, o escritório submete os terceirizados a constantes treinamentos, ministrados tanto à distância quanto pessoalmente pelos sócios da banca, que percorrem os estados. "Temos uma diretoria só para cuidar dos correspondentes", diz.
Por outro lado, a proximidade de escritórios com as varas locais pode fornecer informações importantes até mesmo para a estratégia de defesa. "O correspondente conhece a cultura do estado", observa. Ele cita exemplo dos Juizados Especiais Cíveis do Sul, que costumam não julgar questões ligadas a juros, e mandá-las para varas comuns. "Uma peculiaridade como essa pode tornar toda a estratégia equivocada."
O modelo foi reafirmado pelo Tribunal de Ética da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil no ano passado. Segundo os conselheiros, "advogados terceirizados ou quarteirizados têm relação profissional com o advogado ou escritório que os contratou, não podendo relacionar-se diretamente com o cliente sem a autorização do advogado ou sociedade de advogados mandante do trabalho de busca, extração de cópias ou realização de audiências", diz a ementa do acórdão no Processo E-3.918/2010, lavrado em agosto pelo relator Cláudio Felippe Zalaf.
Os ganhos dependem do contrato firmado com o escritório sede. No Mesquita Pereira, em que os correspondentes são fixos, a maioria dos acordos é de remuneração mensal por número de processos acompanhados. O acerto pode ou não incluir despesas, mas jamais há pagamento de sucumbência. No Fragata e Antunes, a remuneração é por ato. Quanto maior o pacote repassado, menor é o valor pago por cada um. "Mas também há casos de valores pagos por processo inteiro", afirma Fragata.
Obviamente, as bancas só conseguem financiar consequências pecuniárias. Os advogados respondem pessoalmente por falhas profissionais. "A responsabilidade técnica perante a Ordem dos Advogados é de quem erra, que pode inclusive perder a licença por falta de capacidade profissional", explica Rodrigo Pereira. "Em casos mais graves, o próprio escritório contratante pode formalizar a representação."
Segundo o presidente do Tribunal de Ética da OAB-SP,Carlos Roberto Fornes Mateucci (foto), casos de desídia ou imperícia, como abandono de causa ou equívoco reiterado, podem impedir de vez o profissional de trabalhar, caso seja punido em processo disciplinar. "A responsabilidade do correspondente é pessoal. Se ele for uma sociedade de advogados, é subsidiária e ilimitada", explica. Segundo ele, que também é vice-presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), mesmo que a banca contratante tenha um seguro contra falhas, a apólice deve incluir os nomes dos correspondentes. "O que se aconselha sempre, mas poucas vezes é feito, é a formatação de um contrato claro."
A previsão pode preocupar quem vive de terceirizações. "Há localidades em que existe uma briga pela reserva de mercado, principalmente no interior, onde se resiste à entrada do advogado de fora", diz o professor. "Entendo esse lado, mas do ponto de vista ético-profissional, qualquer advogado pode exercer sua função em todo o país." Além da resistência das bancas locais, a integração teria de passar também pela burocracia da classe. A OAB exige uma inscrição — e uma anualidade — diferente para cada estado em que o profissional deseja atuar.
Fonte: Conjur